Acolhimento, orientação, rompimento com a situação de violência e resgate da autonomia, autoestima e autodeterminação. Essas são as principais medidas oferecidas a quem procura o Centro Risoleta Neves de Atendimento às Mulheres (Cerna), com sede no número 558 da Avenida Amazonas, Centro de Belo Horizonte. De 2019 a 2022, o órgão da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) realizou mais de 9,2 mil atendimentos na capital mineira e demais municípios do estado.
“O Cerna é um centro de referência especializado em atendimento a mulheres vítimas de violência, com equipe profissional de psicologia, serviço social e direito”, explica a psicóloga Cláudia Natividade, gerente do centro. “Toda mulher em situação de violência pode acessar o serviço ligando para os telefones da recepção e fazendo o agendamento do primeiro atendimento. Mulheres de todas as cidade do estado de Minas Gerais podem solicitar o atendimento presencial ou virtual”, detalha.
Os telefones para o agendamento são (31) 3270-3235 e (31) 3270-3296. No primeiro momento, é feita a avaliação de risco conforme o Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida (Frida). Esse instrumento foi criado para prevenir e enfrentar crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Por meio de um questionário, é possível avaliar, de forma objetiva, o grau de risco em que ela se encontra. Nesse atendimento, a mulher também pode ser direcionada a outros serviços dos quais necessita, como saúde, educação, assistência social, entre outros.
Desde o primeiro momento que a mulher acessa o serviço, começa a construção do Plano de Acompanhamento Pessoal (PAP). O documento institucional é formulado a partir das demandas da mulher e descreve a forma de atendimento a ser realizado, define objetivos, planeja e avalia estratégias de cuidado de forma multiprofissional. O Cerna também verifica se a mulher pode se beneficiar de participar do atendimento em grupo, onde todas vão compartilhar seus casos e criar redes de proteção, cuidado e solidariedade.
Respeitando a autonomia das mulheres, o serviço não faz busca ativa de usuárias e trabalha sob a demanda espontânea das mulheres ou por meio de encaminhamento institucional. O desligamento é feito somente no momento em que a atendida reencontra sua autonomia, segurança pessoal e autoestima, após todo o processo de acompanhamento da equipe multidisciplinar. Quem já teve o caso encerrado também pode voltar a procurar o Cerna caso necessite novamente, ou seja, caso esteja em situação de violência doméstica e intrafamiliar.
Aumento dos casos e pandemia
De acordo com a Sedese, de 2019 até o momento, é possível observar um aumento no número de atendimentos. Naquele ano, foram 1.366, 2.449 em 2020, 2.840 em 2021 e 2.555 atendimentos no ano passado.
Cláudia Natividade atribui esse aumento à complexidade dos casos, principalmente no início da pandemia da covid-19, em 2020, quando muitas pessoas passaram a conviver juntas por mais tempo por conta do isolamento social, o que acabou aumentando a permanência das mulheres com os(as) agressores(as). “Durante a pandemia, a violência contra as mulheres aumentou de forma bastante drástica e chegavam casos com diversas complexidades. As mulheres chegam às vezes mais fragilizadas, sem rede de apoio, com adoecimento psicológico. Todo esse contexto contribui com a cronificação dos casos de forma geral”, detalha.
Em 2020, para manter o serviço durante o período de isolamento, o Cerna desenvolveu uma metodologia de atendimento remoto aplicada até hoje, mantendo a segurança das mulheres e também das técnicas do Cerna. “Estamos aprendendo como identificar aplicativos espiões nos celulares, como combinar com a mulher um espaço e horário seguro. Às vezes elas conseguem negociar no trabalho delas um momento e local para receber atendimento de forma sigilosa, ou vão para uma vizinha. Cada mulher vai construindo com a técnica essas estratégias”, conta.
Ampliação
A sede do Cerna em Belo Horizonte atende mulheres de todo o estado que fizerem o agendamento pelo telefone, mas também há outros 32 centros de referência municipais espalhados pelo estado que fazem os atendimentos psicossociais e jurídicos. Nas cidades onde não há, as mulheres em situação de violência doméstica podem procurar o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) ou até o Centro de Saúde para relatar o caso e receber orientações sobre como agir.
A gerente do Cerna explica que, por ser um órgão estadual, o serviço tem a função de municiar as cidades na perspectiva do melhor atendimento às mulheres. Para isso, procurado pelas prefeituras, o Cerna realiza a capacitação de equipes e orientações para a construção dos atendimentos.
“A partir do segundo semestre de 2023, vamos abrir novas agendas de capacitação e já está tramitando pela Escola de Formação em Direitos Humanos (EFDH) um curso em EaD que vamos oferecer para os municípios sobre essa temática da violência contra as mulheres”, detalha Cláudia Natividade sobre as próximas ações. “Temos também uma referência técnica para o trabalho nos centros de referência das mulheres. A segunda edição desse material vai ser lançada agora em março, revisada e ampliada. Durante as capacitações recomendamos que toda a rede de políticas públicas do município participe pelo menos da primeira parte, em que falamos de forma geral sobre os tipos de violência, respondemos perguntas frequentes. Já a segunda parte da capacitação é mais focada nas equipes que vão atender diretamente as mulheres. Assim vemos como é feita a avaliação de riscos, quais aspectos emocionais e psicológicos são importantes de se trabalhar com as mulheres para que elas possam romper com o ciclo da violência, para que possam viver de forma autônoma”, conta.
Retomada da autonomia
Cláudia Natividade diz que é uma satisfação muito grande observar o momento em que as mulheres conseguem se recuperar e seguirem em direção a uma nova vida após o acolhimento no Cerna. “É muito bonito assistir a esse desabrochar, essa retomada das mulheres das suas vidas, dos seus projetos, do futuro. É muito gratificante trabalhar com essa temática e ver as mulheres nessa transformação, a despeito de ser um trabalho desafiador, técnica e emocionalmente falando”, diz.
E ela também deixa uma mensagem a todas as mulheres que estão sofrendo violência familiar ou dentro de um relacionamento afetivo. “Muitas ainda sentem algum constrangimento, vergonha de procurar ajuda nas políticas de forma geral. Mas no momento em que elas procuram, elas vão crescer também em termos de conscientização sobre os diversos tipos de violência que vivem, reaver as suas vidas, com planos”, enfatiza a gerente do Cerna.
Como denunciar
Quem quiser denunciar um caso de violência doméstica, além de comparecer a delegacias da Polícia Civil, especializadas ou não, ou postos da Polícia Militar, pode ligar para o Disque Denúncia 180. O anonimato é garantido.
Em situações de emergência, as denúncias também podem ser feitas pelos telefones 190 (Polícia Militar) e 197 (Polícia Civil). Pela internet, a mulher ou outras pessoas podem entrar na página da Delegacia Virtual. Lá é possível registrar ocorrências de ameaça, lesão corporal, agressão e descumprimento de medida protetiva.
As mulheres também podem utilizar o aplicativo MG Mulher, disponível gratuitamente para Android ou iOs, que conta com endereços e telefones de delegacias, unidades policiais e instituições de ajuda mais próximas, vídeos, áudios e textos para orientar as vítimas, além da possibilidade de criar uma rede de contato com pessoas de confiança que podem ser acionadas em uma emergência com um só clique.
O Governo de Minas também possui outros canais e ferramentas de apoio às mulheres, aos filhos e filhas e também em relação aos autores de violência. Saiba mais a seguir:
Casa da Mulher Mineira
Em Belo Horizonte, existe a Casa da Mulher Mineira, uma unidade da Polícia Civil na Avenida Augusto de Lima, 1.845, no Barro Preto. Inaugurada em março do ano passado, ela atendeu mais de 500 mulheres somente nos dois primeiros meses de funcionamento.
Na unidade, as mulheres podem solicitar Medidas Protetivas de Urgência, acompanhamento até a residência para retirada de pertences em segurança, receber a guia de exame de corpo de delito, realizar a representação criminal para a devida responsabilização do agressor, além de ser encaminhada para casas abrigo, para serviços de atendimento psicossocial e para orientação jurídica na Defensoria Pública. O ambiente favorece a privacidade e a escuta qualificada durante atendimento.
A Casa da Mulher Mineira também visa apoiar o trabalho desenvolvido pelas 75 delegacias especializadas no atendimento à mulher existentes em Minas Gerais, sendo quatro delas em Belo Horizonte.
Projeto Acolhe
Desenvolvido em uma parceria entre a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), o Instituto Avon e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Projeto Acolhe une esforços para atender mulheres vítimas de violência doméstica no estado.
Ele presta atendimento emergencial para mulheres em situação de violência doméstica, por meio de ações de acolhimento, acompanhamento, suporte emocional e psicológico, além de hospedagem breve na rede hoteleira conveniada. O Projeto Acolhe também oferece apoio para a reinserção da mulher na vida profissional, por meio da realização de ações educacionais e de preparação para reingresso no mundo do trabalho.
Atualmente, o projeto é realizado em 15 municípios mineiros: Barbacena, Belo Horizonte, Betim, Divinópolis, Ibirité, Itaúna, Juiz de Fora, Manhuaçu, Muriaé, Montes Claros, Patos de Minas, Poços de Caldas, Pouso Alegre, Uberaba e Sarzedo.
Mediação de Conflitos
O Estado também conta com o programa Mediação de Conflitos, que busca contribuir para a prevenção e redução da violência letal de moradores das áreas de abrangência das unidades de Prevenção à Criminalidade.
Com relação à violência contra a mulher, por exemplo, o programa constrói estratégias de prevenção e proteção junto à mulher que demanda o atendimento, levando em consideração o contexto ao qual ela se insere, podendo intervir individualmente, a partir de orientações para acesso a direitos e encaminhamentos, por exemplo, ou coletivamente, ao realizar grupos que visem prevenir o fenômeno. Além de também atuar como rede de proteção social, visando o enfrentamento às violências.
O programa está disponível nos municípios de Belo Horizonte, Betim, Contagem, Governador Valadares, Ipatinga, Juiz de Fora, Montes Claros, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Uberlândia e Vespasiano, locais de atuação do programa.
Ceapa
Em outro eixo de atuação, o programa Central de Acompanhamento de Alternativas Penais (Ceapa) atua na responsabilização de autores de violência na Lei Maria da Penha, pautado por ações de responsabilização para os agressores que respondem a processos em liberdade.
Somente em 2021, 80 desses grupos foram criados e 1.084 homens encaminhados para atendimentos nas cidades de Belo Horizonte, Betim, Contagem, Divinópolis, Governador Valadares, Ibirité, Ipatinga, Juiz de Fora, Montes Claros, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Sete Lagoas, Uberaba, Uberlândia e Vespasiano, locais de atuação do programa.